História de Adhemar Magrini Lisa na Rádio Bragança é contada em livro
O jornalista Francisco Félix, contou no livro “Rádio Bragança: seis décadas, histórias e personagens”, a trajetória do ex-vereador Adhemar Magrini Lisa, na rádio Bragança AM.
Adhemar Magrini Lisa comandou durante anos as manhãs da rádio. Ele também foi vereador em dois mandatos e faleceu neste domingo, 15, aos 88 anos.
Ele deixou a esposa Erci, os filhos Silvana, Luciana, Erci Lúcia, Adhemar e Leonardo, além de netos e bisnetos.
O velório acontece a partir das 8h de segunda-feira, 16, e o sepultamento está agendado para as 15h no Cemitério da Saudade.
A história dele na rádio começou segundo o relatado no livro, com a morte de José Rodrigues Caldeira, responsável pela rádio Excelsior, e responsável pela implantação da Rádio Bragança AM.
“Dona Julieta deu uma procuração ao seu genro, de nome José Victor Bucioni, para administrar as emissoras, depois da morte do Caldeira”, lembrou Ademar Magrini Liza ao jornalista Frâncisco Fêlix durante as entrevistas para o livro.
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Ele relatou que chegou à emissora menos de um ano depois da inauguração, que aconteceu em 1948. Confira trecho do livro:
“O meu primo, Abner Magrini, na época locutor da Rádio, me convidou para fazer um teste. Eu era louco por rádio, brincava de narrar jogos de futebol com os amigos. Aceitei”.
O teste foi considerado um sucesso e o jovem Ademar foi contratado. Inicialmente para a apresentação de um programa musical e, depois, de um programa de esportes. O Esportes no Ar tinha 15 minutos de duração(das 11 às 11h15). Tinha como patrocinadores a Casa Mellito e a fábrica de refrigerantes Guilhardi. O noticiário reunia informações do esporte amador, normalmente levadas à redação por ouvintes, e notícias obtidas em jornais. “O programa foi um sucesso. Primeiro porque eu havia conseguido dois bons patrocinadores e depois porque o Bragantino (Clube Atlético Bragantino) iniciava, na época, a arrancada que o levou à primeira divisão do futebol paulista. Em pouco tempo passamos de 15 minutos para meia hora”, relembra.
De acordo com Magrini, quando da sua chegada, a Rádio Bragança já era gerenciada por João Hermes Pignatari. A família Brandi (Florivaldo e Miguel) já não ocupava mais a direção. Pedro Geraldo Costa, envolvido com a política em São Paulo, não tinha mais tempo e raramente visitava acidade.
Pignatari era culto e admirador das artes. Direcionou a programação para produções musicais eruditas, programas de auditório e radioteatro.A produção de maior sucesso na época era o Programa Social, que registrava aniversários e oferecia músicas aos aniversariantes. Os oferecimentos eram pagos e representavam uma significativa parte do faturamento da emissora.
A gestão de Pignatari, que mudou o nome da emissora para Rádio Cultura de Bragança Paulista, durou até 1952, quando ele saiu da cidade para cursar a Faculdade de Direito, em São Paulo. O novo gerente escolhido foi Ademar Magrini Liza, aos 22 anos de idade. “O Bucioni me chamou e medisse que daquele dia em diante eu seria o gerente da rádio”, explica.
Magrini assumiu a estação e tratou de aumentar o faturamento. A Rádio Cultura se tornou tão próspera que muitas vezes socorria financeiramente as outras estações das Emissoras Unidas. A programação, apesar de conservar o perfil erudito, passou por algumas inovações. Os programas sertanejos ganharam mais espaço. A Rádio promovia programas para donas-de-casa e organizava festivais com distribuição de prêmios. Ficou mais próxima do povo. A audiência aumentou e o faturamento também. Nessa época, as instalações foram transferidas do casarão da Rua Dr. Cândido Rodrigues para o prédio do Cine Bragança, na Praça Raul Leme.
O sucesso da estação de Bragança não era o mesma das outras integrantes das Emissoras Unidas, freqüentemente em dificuldades financeiras. Em 1955, com a procuração outorgada pela sogra, sem o seu conhecimento, José Victor Boccioni vendeu a emissora para a Diocese de Bragança Paulista, governada pelo bispo D. José Maurício da Rocha, uma espécie de mandatário da cidade, cuja autoridade ninguém se atrevia a desafiar. O mesmo que, solenemente, comandara a cerimônia de inauguração, em 1948. O valor da transação foi de aproximadamente NCr$ 150.000,00. Suspeita-se que a aquisição da Rádio há muito vinha sendo almejada pelo bispo, como forma de aumentar seu sobre a cidade. “Eles (padres) estavam loucos pela rádio. Tínhamos audiência e bom faturamento”, lembra Ademar.
Ao saber da negociação feita pelo genro, Julieta Moor Caldeira, em um ato de desespero, teria ido a Bragança falar com o bispo e tentar reverter a venda. Era tarde demais.
Depois de aprovada a negociação pelo Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações), o bispo tratou de tomar providências para impor ideais católicos à programação da emissora. Manteve Magrini no cargo de gerente, mas nomeou para a função de diretor o padre Ávila, um dos principais articuladores da aquisição. Ávila determinou a censura de músicas consideradas profanas, mandou trocar o nome do programa noturno chamado Boate M9 e ordenou a retirada das fotos dos artistas que enfeitavam o auditório e os estúdios. “O padre Ávila, por diversas vezes, entrou no estúdio e quebrou discos”, testemunha Ademar.
Nessa época, a Rádio chegou a transmitir em ondas tropicais, na freqüência de 2240 kHz. Foi sintonizada em diversas regiões do País, como Amazonas e Maranhão, e em países da Europa, como França e Inglaterra. A experiência durou pouco mais de seis meses, devido ao consumo elevado de energia elétrica do transmissor.
Apesar da censura às músicas e ao que se falava aos microfones, a Igreja não impôs na época, segundo Magrini, ideologias ou preferências político-partidárias à programação. Prova disso foi a eleição para prefeito em 1955. O grupo do então candidato Ismael de Aguiar Leme pagou cerca de NCr$ 30.000,00 (a rádio havia sido adquirida por NCr$ 150.000,00) pela transmissão de seis comícios. O candidato adversário contestou as transmissões, alegou não ter recursos para pagar o mesmo valor e exigiu Magrini, em 1956, apresentava o “Resenha M9” espaço semelhante. No julgamento da questão, o juiz eleitoral declarou que o contestador deveria culpar a sua própria ineficiência por não ter negociado o espaço primeiro.
Magrini, além do salário como gerente, tinha comissão de 20% sobre o faturamento com anunciantes. Diz ter ganhado muito dinheiro. A relação com a Diocese era boa e a parceria durou até 1966, quando decidiu sair para se dedicar exclusivamente ao emprego na Secretaria Estadual da Fazenda (trabalhava no Posto Fiscal de Bragança Paulista). Nessa época, a freqüência da estação já havia sido mudada pelo Dentel. Passou de 1540 kHz para 1330 kHz.
A saída do gerente foi sucedida pela morte de D. José Maurício da Rocha, em 1969. Esse foi um dos períodos mais difíceis da emissora. Diversos nomes passaram pela gerência, o faturamento caiu, vieram as dívidas e Magrini foi chamado de volta. “O D. Lafayette (Bispo Dom José Lafayette Ferreira Álvares, substituto de D. José Maurício) me pediu, por favor, pra eu voltar pra Rádio porque precisavam de mim”.
Era 1972, Magrini aceitou o convite, mas desta vez como arrendatário. Começava a fase de terceirização. A solução para quitar as dívidas foi buscar aumentar o faturamento. Mais uma vez o comércio da cidade foi convidado a ajudar. A fórmula deu tão certo que a programação chegou a acumular 40 chamadas comerciais por hora. Em menos de dois anos as dívidas, inclusive as fiscais, foram pagas sem a necessidade de parcelamento. Uma nova área para implantação do parque de transmissão, no Bairro do Popó, foi adquirida e o estúdio foi transferido para a Rua Coronel Osório, 36.
Como arrendatário, responsável pela salvação da emissora, Magrini viu aumentar o seu poder na cidade ao longo dos anos. Na Diocese, D. Antonio Pedro Misiara assumiu como bispo em 1976. Seis anos depois, em 1983, Ademar Magrini Liza, aproveitando a popularidade do rádio, foi eleito vereador pelo PMDB (Partido Movimento Democrático Brasileiro). Esta, segundo ele, foi a sua grande besteira. Só lhe trouxe inimigos.
Ocorre que, no mesmo ano, foi eleito prefeito da cidade José de Lima, pelo PDS (Partido Democrático Social), que fazia oposição ao PMDB. A Rádio passou a oferecer espaço aos integrantes do PMDB e as críticas ao prefeito se tornaram constantes, a ponto de criarem dificuldades na relação entre a Diocese e a Prefeitura. D. Misiara exigiu o fim das críticas ao prefeito e foi atendido, mas a relação com Magrini ficou estremecida.
O contrato de arrendamento tinha término em 1986. Segundo Magrini, desde o episódio de três anos antes, havia pressão da Prefeitura para que não houvesse renovação. O motivo seria a postura crítica
adotada por ele no programa de maior audiência na época, o Rádio Jornal Cultura. Curiosamente, após o jornal, ia ao ar o Município em Marcha, programa produzido pela Assessoria de Imprensa da Prefeitura, que comprava o horário. “Eu já tinha ouvido, diversas vezes, que outras pessoas estariam interessadas em arrendar a rádio. “Eu já tinha ouvido, diversas vezes, que outras pessoas estariam interessadas em arrendar a Rádio. Mesmo assim, antes do vencimento do contrato, encaminhei uma proposta de renovação ao bispo. Fui até o palácio (Palácio São José, residência oficial do bispo) e entreguei. Ele me disse que iria estudar”. A resposta viria dias depois, em uma carta de agradecimento pelos serviços prestados. Era o fim de uma relação de mais de três décadas. “Ele (o bispo), quando recebeu a minha proposta, já tinha se decidido por outra e teve a desfaçatez de não me dizer. Ele me iludiu, me enganou. Eu fui enganado pelo Dom Misiara”, desabafa.
A mágoa de Magrini foi tamanha que ele deixou de ouvir a Rádio por pelo menos dez anos. Na época, abriu mão de cobrar anos de direitos trabalhistas a que teria direito. Hoje, deixa bem claro que cometeu um erro ao se tornar político. A frase soa como um alerta às próximas gerações de comunicadores. “Não se deve misturar as coisas. Eu fui candidato a vereador, tive uma baita votação, mas me perdi como radialista”.
Ademar retornou aos estúdios da Rádio Bragança em 1999, para apresentar o Jornal do Meio Dia,
segundo ele, por convite de José de Lima. O retorno durou cerca de nove meses. Não houve acordo sobre o valor da remuneração. “Queriam me pagar muito pouco”.
Estes e outros relatos estão no livro escrito por Francisco Félix, que trabalhou com Adhemar Magrini na FM 102, 1, em 2002. Emocionado com a notícia do falecimento Fêlix desabafou: “Ele era um radialista completo. Boa voz, ótima dicção, excelente nível cultural, bom de improviso. Além de ser uma das pessoas mais generosas que já conheci. Virei locutor por culpa dele. Uma dia estava com ele no estúdio, fazendo produção. Ele abriu o microfone e me colocou no ar. Perdi um amigo, um professor”, disse.
Fotos: Arquivo Francisco Fêlix.