Opinião: Os 100 anos da Greve Geral de 1917: um curto relato
- Ana Oliveira
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Trabalho pesado, baixa remuneração, ausência de uma efetiva legislação social que protegesse o trabalhador e qualidade de vida precária. Eis o cenário favorável ao conflito entre trabalhadores e empresários. Em março de 1917, São Paulo viveu as primeiras agitações operárias organizadas por diversos grupos anarquistas com forte influência dos imigrantes italianos que se multiplicaram em torno dos bairros operários de Água Branca, Lapa, Mooca e outros.
Entre abril e maio, diversos comícios foram realizados em São Paulo. Milhares de trabalhadores participaram destes atos assinalando o crescimento do movimento e a maior divulgação pela imprensa operária. A tensão avançava e, em 09 de junho de 1917, o Cotonifício Crespi, situado no bairro da Mooca, assistiu o deflagrar de uma greve que paralisou suas atividades. Cerca de 1.600 operários paralisaram com pauta que entre outros pontos demandava: o fim da elevação do trabalho no horário noturno iniciado nos meses anteriores; elevação dos salários entre 15 a 20 % e o fim da obrigatoriedade das contribuições para o Comitê Italiano Pró-Pátria, fim do trabalho infantil, entre outros pontos.
O movimento ganhou força entre 29 de junho e 13 de julho. Trabalhadores de fábricas de tecidos, de móveis, de panificações, entre outros. Nesse momento foi constituído o Comitê de Defesa Proletária incorporando as principais lideranças dos grupos que atuavam no movimento sindical, isto é, anarquistas e socialistas. O Comitê se propunha unificar as lutas operárias e integrar os diversos atores políticos no movimento.
O crescimento da greve implicou na ampliação da violência policial contra os grevistas. Nesse contexto, em 09 de julho, a cavalaria, ao tentar dispersar uma manifestação na porta de uma fábrica no bairro do Brás em São Paulo, matou o jovem operário anarquista espanhol José Martinez. O funeral de Martinez atraiu uma multidão e se transformou em um ato político espontâneo. A mobilização desencadeou, inicialmente, em greve em duas fábricas têxteis no bairro da Mooca em São Paulo e, rapidamente, se espalhou para outros setores da cidade. Três dias depois da morte de Martinez aproximadamente 70 mil trabalhadores de São Paulo estavam em greve, quase a totalidade de suas fábricas, era a 1º Greve Geral do país. O movimento se expandiu, posteriormente, para outros estados.
Diante da ampliação do movimento grevista, setores empresariais pedem a intervenção do governo paulista que mediou um acordo. No acordo, os trabalhadores tiveram reajuste salarial, os grevistas presos foram libertados, obtiveram o direito de organização e de reunião, entre outros pontos. Com isso, após o dia 16 de julho, o movimento refluiu, embora, a recusa de alguns empresários em aceitar os termos do acordado prorrogasse a greve em algumas empresas.
A Greve Geral de 1917 constituiu um importante marco no desenvolvimento das lutas sindicais no Brasil, proporcionando que o movimento operário fosse reconhecido como uma plataforma legítima de organização. A utilização da imprensa operária em diversas cidades brasileira permitiu o desenvolvimento de comunicação junto aos trabalhadores, além disso, a influência anarquista, sobretudo do anarco-sindicalismo, foi decisiva para a organização da luta e, para a constituição de uma rede de solidariedade que forçou – juntamente com a expansão da greve – a burguesia a negociar com os grevistas. O sucesso e o impacto da greve de 1917 fortaleceram a percepção de que a luta dos trabalhadores poderia vir a ser vitoriosa. Lutas que continuarão a ser travadas ao longo do século XX, mesmo num contexto de maior repressão estatal.
Fernando Antonio da Costa Vieira é Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política e coordenador do Laboratório de Movimentos Sociais e Mídia do IUPERJ/UCAM. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Contato: [email protected]